Se só ser ouvido já é bom, ser ouvido de uma maneira qualificada é melhor ainda
- Amanda Gabriele Cruz Carvalho
- 4 de jun. de 2024
- 3 min de leitura
Sou fã do podcast “Não Inviabilize”, que conta histórias reais dos ouvintes por meio da habilidade narrativa invejável da Déia Freitas (um beijo pra Déia, maravilhosa!). Me emociono com a forma carinhosa e cuidadosa como as histórias são narradas, e fico imaginando o quanto deve ter sido importante, para a pessoa que mandou a história, ter ouvido suas vivências reconhecidas e enriquecidas pela ótica da Déia. E, de fato, ela conta que os donos das histórias queriam, acima de tudo, serem ouvidos e compreendidos.
Isso me fez pensar o quão potente pode ser essa escuta, que leva o protagonista da história a expor questões muito particulares para milhares de pessoas, com risco até de ser julgado e receber conselhos estapafúrdios (no grupo público de troca de mensagens sobre as histórias). Ter um espaço de escuta onde a sua versão dos fatos é contada e também transformada pela versão do outro, é ser legitimada em suas preocupações, vontades, motivações e crenças, mesmo que o interlocutor não concorde 100% com você. Você se sente um ser humano, não só mais um corpo “ambulante” no meio da multidão. E isso tudo é amplificado quando falamos de participar de uma comunidade inteira de ouvintes.
Parece banal, mas muita gente não tem esse tipo de espaço. Suas histórias simplesmente não têm a chance de serem contadas, morrendo na fonte por barreiras como preconceito, indiferença, egocentrismo e agressividade do outro. Podemos pensar, inclusive, nas vivências sistematicamente sufocadas dos grupos sociais minoritários. Ou, ainda, em dificuldades da pessoa em contar sua história de forma que o interlocutor se conecte com a postura da empatia, como é o caso de pessoas que falam com um viés da acusação ou, por outro lado, da minimização das próprias questões.
Por isso, não basta qualquer escuta, em especial nos casos mais delicados que envolvem dilemas, moralidade, saúde mental e consequências sérias aos envolvidos. Nem sempre mandar a história para um podcast vai ser suficiente ou adequado. É aí que entra a psicoterapia com a tal da escuta qualificada. Imagina poder contar sua história para uma pessoa que estudou (e continua estudando) por anos pra te ouvir com atenção, respeito, compreensão e recursos capazes de te ajudar a recontar suas vivências sob novas perspectivas, a partir daquilo que você valoriza.
A escuta qualificada exige a capacidade do terapeuta:
prestar atenção plena ao momento presente da interação com o outro, incluindo a fala, as expressões emocionais, os gestos e aos possíveis “motivos implícitos” pelos quais o paciente está agindo de determinada forma;
parafrasear o que foi ouvido, dizendo com as próprias palavras o que se entendeu da fala do paciente, sempre aberto à possibilidade de ser corrigido;
resumir toda a fala em um todo coerente, dando contornos mais claros à narrativa;
complementar com aspectos da experiência do paciente que não foram explicitamente narrados.
A escuta qualificada da psicoterapia é apenas um dos recursos terapêuticos da psicoterapia e deve ser combinada a estratégias de intervenção que ajudem os pacientes a adotarem perspectivas ampliadas sobre o que trazem às sessões e, se necessário, buscar formas diferentes de agir no mundo. É claro que ter espaços comunitários de escuta, para além da terapia, também é essencial. Meu ponto é que cada coisa tem sua função. E a terapia é um espaço especialmente reservado para uma escuta mais atenta às suas necessidades e ao seu funcionamento singular. Isso é o que a faz ser, de fato, terapêutica. Fez sentido? Continuando na lógica do diálogo, eu amaria ouvir o que você achou dessas ideias ;)
Deixo aqui meu profundo agradecimento aos professores Tiago Ferreira e Pedro Martins, que mesmo sendo de abordagens distintas da psicologia (o primeiro é da Terapia de Aceitação e Compromisso e o segundo, do Construcionismo Social), me convidam e inspiram a dar um lugar privilegiado à escuta qualificada das narrativas compartilhadas comigo na clínica.

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